1.11.08

Uma ficção

O que começou ao som de “Garotos” só poderia ter esse destino melodramático.
“Vou para casa da minha mãe”. Não, não foi uma mulher traída que disse isto.
Os mistérios não são Dela, são Dele. E nem são mistérios irresistíveis, são pequenas mentiras. Irresistíveis.
Tudo começou com um elogio ao cabelo Dela, como estava bonito, tinha cortado, pintado?
Ele não resistia a uma mulher pseudointeligente.
Na verdade as frases eram atiradas em direção inserta, qualquer alvo que acertasse seria uma pseudointelectual. Estava no bar certo, freqüentado por universitário, jornalistas, artistas, blogueiros e público GLS.
- Seu cabelo está lindo, cortou?
- Seu cabelo está lindo, não sei... é a cor?
- Seu cabelo está lindo, meu anjo.
A vítima era certa, nenhuma mulher resiste quando elogiam seu cabelo ao pé-de-ouvido.
As peças eram retiradas lentamente ao som de jazz. E Ela jaz em sua cama, sua rede, sua sede.
Na geladeira bebida suficiente para a noite, na dispensa para a dispensa no café da manhã.
Uma mensagem no dia seguinte, uma música do Sergio Sampaio. E Ela, só pensava em se aprofundar nas obras de Klint.
Dois empregos, casa própria, carro, motocicleta. E por extinto feminino só pensaria na procriação, em como chamariam seus filhos.
E Ela, mesmo sem saber de suas rendas, sonhava com um menino que levasse o apelido de seu pai. Aliás, toda vez que se apaixonava pensava no pai, será que eles iriam rir jogando sinuca num boteco de esquina, que discutiriam política no café, trocariam por uns tempos seus vinis?
E ao som de Leoni, no dia seguinte Ele a deixava na porta do emprego em Cariacica, em Serra, ou na casa de seus pais em Jardim da Penha, ou Barro Vermelho.
E ao som de Leoni, buscava no aeroporto, na rodoviária.
Levaria da rede pra cama, prepararia o café. Seria o melhor confidente, o melhor amigo, insistiria pra pagar a conta, apresentaria lugares novos, autores novos, novas posições a cada noite.
E qualquer mulher, qualquer uma, esqueceria que era Leoni que cantava.
E depois das roupas misturadas no armário, do transcol para o trabalho e das contas divididas, Ele seguro, sempre usando a mesma posição e nunca mais preparando o café, ameaçava Ela dizendo: “Vou para casa da minha mãe”.
E Ela sabia que tudo teria que ser do jeito Dele, sempre foi, e arrependida de ter falado o que pensava, o que sentia, gritava “se você for embora eu vou ficar desesperada” e Ele “pára, você está se humilhando”, ficava.
Tudo culpa do Leoni.